Esta crônica foi escrita há 15 anos, quando apresentava um programa chamado Tá Ligado, na rádio Univali em Santa Catarina e me impressionava com a quantidade de grandes cantoras que o Brasil colocava na praça, como a avalanche de bacharéis de Direito que saem das faculdades a cada ano. De lá pra cá surgiram Mahmundi, Mãeana, Tiê, Alice Caymmi, Ana Frango Elétrico, e tantas outras mais que vou esquecer enquanto escrevo e lembrar quando estiver ouvindo música brasileira. 

Ainda bem que está no livro. Pois se não tivesse escrito, publicado e lançado, iria apagar, refazer, e não iria acabar nunca.

Se o Brasil tivesse uma quantidade de políticos comparável à de boas cantoras, estaríamos feitos. A impressão que fica é a de que elas brotam do chão como se fossem flores do campo em plena primavera. Na Univali, nunca fiz este levantamento, mas tenho 97 Roberto Vieira a impressão de que seria possível fazer um Tá Ligado inteiro só de cantoras. E isso daria umas 50, sem repetir. A última que fiquei conhecendo foi Alexia Bontempo. E ainda teve Aline Muniz, tem a Karina K, tem... Tenho um fraco por vozes femininas, das doces ao estilo Fernanda Takai até as mais vigorosas, como Daniela Mercury. Dias atrás, vi Thalma de Freitas, que só conhecia atuando, arrebentando ao cantar Tim Maia. Deveria ficar feliz, mas acabei ficando consternado. Mais uma grande cantora a tentar seu espaço, em uma safra de uma fartura sem precedentes na música brasileira, quem sabe na mundial. Sem considerar as dos 70 para trás, Rita Ribeiro, Zélia Duncan, Adriana Calcanhoto, Cássia Eller, Paula Toller, Vanessa da Mata, Maria Rita, um punhado de baianas que cantam com um estilo muito parecido, Ana Carolina, Paula Marchesini, Isabela Taviani, Leila Pinheiro, Fernanda Porto, Karla Sabah, Paula Lima, Adriana Maciel, Verônica Sabino, Nila Branco, Érika Martins, Monica Salmaso, Dulce Quental, Marina De La Riva, Bebel Gilberto, Emmanuelle Araújo, Negra Li e uma que se sobrepõe a todas elas, descoberta de mestre Nelson Motta: Marisa Monte, que está um ponto acima, com uma versatilidade, repertório e criatividade na composição, sem contar o trabalho de pesquisa e elaboração. Não temos cantores à altura. E é difícil encontrar tamanha qualidade que se possa equiparar. Acima, listei umas trinta, e esqueci outras tantas. É uma luta inglória, sobretudo se considerarmos que a música não existe como mercado da forma que as divas do naipe de Elis encontraram. As gravadoras perderam 98No tempo do mundo força, e muitas têm que cavar seu próprio espaço à força, nem sempre tendo a projeção que merecem. Mesmo em uma rádio que toca, na maior parte do tempo, 70% de música brasileira, é difícil equacionar esta demanda. Todo este talento se dilui. É impossível dar a atenção merecida a cada uma delas. E para complicar ainda mais as coisas, as cantoras surgidas nos anos 60 e 70 permanecem na ativa, produzindo e, em alguns casos, até com mais qualidade, como é o caso de Zizi Possi e Elba Ramalho, surgidas em outra grande safra, no final dos 70. Se você, como eu, se delicia com o canto das sereias, erga as mãos para os céus e agradeça: você tem o país que merece (escrevo ouvindo Fafá cantar Sob Medida). 


Roberto Vieira é radialista, publicitário e lançou seu primeiro livro, No Tempo do Mundo, em 2020. Disponível aqui


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