Vamos falar de soft power? É aquele poder que se exerce sem armas, de forma quase subliminar e que, por vezes, é mais eficaz do que aquele que ditadores adoram exercer, violento, ostensivo, autoritário. Me lembrei do impacto causado pela abertura dos Jogos Olímpicos de Londres ao ver a abertura de Paris. Que foi bonita, sim. Mas os ingleses tinham a música, sem contar 007. E não há Edith Piaf que se equipare a Beatles, Bowie, Led, Floyd, Stones e tantos. É forte demais. A Inglaterra, mesmo com a decadência que se seguiu à Segunda Guerra, consegue ser inoculada nas mentes mundo afora por conta de tanta beleza saída de seus estúdios. E quando uma instituição como a BBC faz uso de uma obra-prima como God Only Knows, produzida do outro lado do Atlântico, para lançar sua BBC Music, não é de graça: mesmo o mítico Pet Sounds, dos Beach Boys, foi concebido por conta de uma rivalidade criativa que Brian Wilson mantinha com Lennon e McCartney (que foi retroalimentada a ponto de inspirar Sgt. Peppers). A versão all-star gerou um clipe belíssimo, lançado dez anos atrás. Não viu ainda? Veja!
Qualquer beatlemaníaco conhece esta história, e sabe como a audição do clássico dos californianos incomodou tanto Paul a ponto de conceber um álbum conceitual para ser uma resposta ao disco inspiradíssimo que aparece, de forma unânime, em qualquer lista de melhores álbuns de todos os tempos.
Outro dia, vendo um episódio de Ted Lasso, outra série com uma trilha sonora magistral, surgem os acordes de She’s a Rainbow. Os Stones foram claramente inspirados pela inserção de elementos da música clássica que o quinto beatle, George Martin, provocou no quarteto de Liverpool. E quanta beleza não estimulou a criatividade de Keith Richards e Mick Jagger para produzir aquele painel sonoro de pouco mais de quatro minutos, que oscila entre o etéreo e o vigoroso, entre o piano e as guitarras?
O soft power beatle, sua influência em tanta coisa bonita que existe mundo afora é indiscutível. O rock brasileiro, a obra de Rita Lee, o Clube da Esquina e tantas canções sublimes que ouvimos por aqui tiveram sua gênese na friorenta e nublada Liverpool. É onde Penny Lane faz esquina com a Avenida Sumaré.
Roberto Vieira é radialista, publicitário e lançou seu primeiro livro, No Tempo do Mundo, em 2020. Disponível aqui