Ninguém passou incólume por ela. A mezzo italiana, half ianque, que o Brasil ganhou graças à escravidão, que ironia, logo ela tão libertária, livre, corajosa, destemida. Pois relativamente fácil seria ter nascido nos EUA e ser uma Joan Jett, uma Patti Smith. Rita foi quebrando a pancadas qualquer preconceito que poderia ter incidido sobre sua condição de mulher. Só podia ser roqueira, ela. No meio de homens. Em um meio de homens. Entre dois irmãos. Coragem. Nos seus livros, fica patente o quanto teve de disputar seu espaço entre os Baptista. Pedro Bial conta que, na segunda autobiografia, a ser lançada em duas semanas, Rita revela que Balada do Louco era cantada por uma mulher, e que “se elas são bonitas, sou Brigitte Bardot, se elas são famosas, sou Luz Del Fuego” teve de ser transformada masculinamente para dar voz ao personagem cantado por Arnaldo Baptista.

Todos têm sua predileta de Rita. Ela foi de João Gilberto a Ratos do Porão. Ter escolhido Mutante não foi por acaso. Pois lá tem um pouco, na fase solo, da história de minha banda brasileira favorita, a única a estar sintonizada com o que as maiores do mundo faziam à época. Rita amava os Beatles. mas não fazia pastiche deles. Junto com Sergio e Arnaldo, ligava SP a Liverpool. Amava os bichos. Mas não fazia Martha, My Dear, como Paul. Fazia outro hino de amor, Vida de Cachorro, tão linda quanto. 

Se Caetano acertou em algo que falou de SP em Sampa, foi ao dizer que ela era sua mais completa tradução.

Rita era autêntica. Era boa, mas sabia ser ácida, e não gostava de gente que se fazia de boazinha sem ser, como lembra Ney Matogrosso. Rita era agridoce, bittersweet, azedinha-doce. Era visceral, e corintiana. Só podia ser, orra, meu! Quando ela diz “choro até secar a alma de toda mágoa, depois eu parto pra outra” dá um recado direto a seu primeiro amor, e mostra sua humanidade, na sua fragilidade e na força que chacoalha sua estrutura, e a dos outros. Agora só falta você, provoca. Morde e assopra, cutuca e dá uma piscadinha. 

Rita deixou o rock meio de lado, nos anos 1980, mas não precisava mais se ater a ele. Por todo o seu pioneirismo, por ter surgido onde surgiu, quando surgiu, e o que fez a partir daí, é a maior roqueira do mundo. Na essência. Na atitude rock’n roll.

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