FIFA/divulgação


Hoje em dia tudo vira problematização, até falar em sofrimento morando na Europa, afinal, temos a herança ibérica da sofrência e nada pode ser pior do que viver no Brasil atual, é o que pensa muita gente. Mas estar longe da família, dos amigos feitos em toda uma vida, do sol onipresente, das referências afetivas, culturais e cotidianas que nossa mãe gentil proporciona é um desafio diário. E a Seleção, em que se pese não ter mais a mesma identificação com a população que tinha quando seus jogadores atuavam em clubes brasileiros, quando jogava seus amistosos pelas capitais do país, quando seus jogadores ouviam pessoas comuns falando com eles a respeito da Copa, e não assessores de tudo e bajuladores em geral, é uma ligação uterina que temos, e é o momento em que nos sentimos parte de tudo.
É a minha primeira Copa vivendo fora do Brasil. Aqui, não há repercussão que chegue perto da que temos no Brasil. A França joga, e não se ouvem gritos, rojões nos gols, mesmo que sejam os maravilhosos que Mbappé vem fazendo. Nem bandeirinhas nas janelas, ao menos no interior, na fronteira com Luxemburgo. É frio, uma Copa invernal. O que ajuda, até. Ontem, após o pênalti desperdiçado por Marquinhos, saí para esfriar a cabeça. A 0º, foi muito fácil. A Copa, o futebol, o esporte têm esta função pedagógica. Aprendemos a perder, a lidar com a frustração. 
Na minha primeira Copa, minha mãe descobriu que eu tinha febre durante os jogos, e deixou de se preocupar. Na segunda, me viu ficar deprimido, procurar os amigos, jogar bola com eles e voltar animado de novo. Na terceira, eu já trabalhava, saí para beber com os amigos e outro pênalti, o de Zico, não me abateu tanto. O brasileiro constrói a partir do apito final um processo de expurgo, chorando, vociferando, debochando e acaba por rir da situação. Assim se desenvolve nosso luto esportivo, creio que desde a Copa de 1950. Felizmente tivemos nossos anos dourados que nos trouxeram a primeira Copa, na geração iluminada de Pelé e Garrincha, Niemeyer, João Gilberto, Tom Jobim, Amaury, Maria Esther Bueno, Anselmo Duarte, JK, Éder Jofre, Jorge Amado e tantos outros que nos fizeram sublimar o sofrimento trazido pelos uruguaios no Maracanã novinho em folha. 
E assim aprendemos que há um novo amanhã. E que tudo se relativiza. Se Casemiro e Marquinhos, que fizeram uma Copa excelente erraram no momento final, Neymar (que detesto pessoalmente) fez o que se esperava dele. Um gol magnífico, digno do que se esperava a quem alcançou o mesmo número de tentos feitos pela Seleção Brasileira por Pelé, seu maior astro. Neymar não caiu na progressão da jogada, tentando o pênalti -foi honesto-, deu a classificação tão sonhada na última jogada do primeiro tempo da prorrogação. Deu bronca na defesa, que realmente não tinha nada o que fazer lá na frente faltando cinco minutos para o término do jogo. E chorou, de verdade, desta vez. Foi humano, o que não faz quando se alia a um governo responsável por um quinhão que remonta a centenas de milhares de mortes durante a pandemia. Mas talvez tenha feito sua última e melhor partida vestindo a sagrada camisa amarela. Tão humilhada nos últimos tempos. Mas que, para quem mora no exterior, continua a inspirar orgulho, para nós, e reverência para os europeus. 
Neymar se vai, mas Richarlyson ganhou um outro patamar. Por isso, quando o narrador francês se embevecia com os gols cheios de arte do capixaba, ou se esforçava para falar "Seleção" sem sotaque, ou se derretia pela beleza espalhada no gramado problemático do estádio 974, no Qatar, durante o primeiro tempo irrepreensível contra a Coreia do Sul, um brasileiro aqui se sentia novamente unido ao seu país. Que triste não ter mais estas tardes/noites frias cheias de calor. Solar, o Brasil é o que mais nos faz falta morando fora. E o futebol devolve um pouco deste sol na pele que perdemos no portão de embarque.
PS.: Kiko Zambianchi estava apostando em Neymar, o que não muita gente vinha fazendo, nem eu, justiça seja feita. Quem duvida pode ver a entrevista aqui no site da BRio. Pena que não foi o suficiente. O que o futebol, mais uma vez, ensina: você pode ter tudo, e não ter o mais importante. Creio que Neymar trocaria seus milhões de seguidores, bajuladores, dólares, peguetes, paparicos e tudo o mais pela glória maior, um título mundial com a camisa canarinho. Talvez o foco no objetivo tenha vindo um pouco tarde demais.

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