Quem melhor que seu biógrafo para criar uma docussérie sobre Tim Maia? Se considerarmos que Nelson Motta ainda teve acesso às delícias e pavores de estar perto de um dos mais inacreditáveis fenômenos artísticos brasileiros durante muito tempo, sendo seu amigo desde a aproximação por conta de seu trabalho de produtor de Elis, com o dueto de These Are The Songs, presente no álbum da portoalegrense que se encantou com o talento tijucano que gerou um dos encontros improváveis que apenas a linguagem universal da boa música é capaz de proporcionar, ninguém melhor. Renato Terra, com um currículo invejável na produção de documentários, está junto a Nelson, e o resultado é extasiante. Feliz a escolha dos diretores de deixar Tim contar tudo, sem outras intervenções. Pois assim, na pura essência Maia, suas contradições, perrengues e tiradas de comédia autodepreciativa, por vezes, anárquica por outras, irreverente o tempo todo apenas bastam por si só.
E abrem espaço para uma ramificação. Vale Tudo Com Tim Maia está no Globoplay, tem apenas três episódios, e de forma alguma encerra o assunto. Quem não tem uma boa história de Tim, tendo passado instantes que fossem a seu lado? Tim é um personagem tão inverossímil que, não tivesse existido e fosse fruto de ficção, seria dependente de uma cabeça totalmente desprovida de barreiras para ser criado. Tim podia ser o antagonista de si mesmo, a qualquer hora e espaço. Seu criador e pior inimigo. Capaz de criar um castelo resplandecente para demoli-lo, em instantes. Estar ao lado de milhares para em seguida viver em angustiante solidão. A genialidade musical, incontestável, convivendo com uma personalidade instável e destemperada pelo uso de drogas. O talento solapado pelo vício. O sabotador de si mesmo. Li a biografia, ouvi o audiobook. Ria sozinho ouvindo Nelson Motta, imitando Tim, contando as histórias mais estapafúrdias proporcionadas pelo síndico. Quem em sã consciência poderia eleger Sebastião Rodrigues Maia para dirigir o que quer que fosse?
Adolescente e me iniciando na tarefa deliciosa de descobrir o que havia por detrás daquela usina de suingue, voz e criatividade, fui ler uma entrevista de Tim. A surpresa de conhecer as circunstâncias da criação de Azul da Cor do Mar, que evidenciavam os traumas do gordinho negro escanteado pelas meninas só não foi maior do que saber como se chamava a menina que havia lhe proporcionado a primeira experiência amorosa. Nome? Marisa. Apelido? Boca de merda.
Tim, como o Brasil, não era para principiantes.