O futebol é assim. Em um país que verdadeiramente ama o calcio, que uniu design, belos estádios, estrutura, um campeonato de alto nível, paisagens belíssimas, estrutura turística e está acostumado a receber hordas de turistas todos os anos, uma Copa sem graça, famélica de gols como a de 90, com uma final igualmente pobre de emoções. A Itália não merecia uma Copa daquelas.
A seguinte foi feita obedecendo à sanha da FIFA por lucros e expansão de mercado. Os EUA não entendem porque a bola não é um cacau de poliuretano, acham boring um esporte que possibilita um 0x0 e, ironicamente, foram agraciados com uma final absolutamente enfadonha, e empatada em 0. Apesar do calor, de Hagi, Maradona, Romário, Stoichkov e Baggio, outra que ficaria arquivada na lista das piores, apesar de todo nosso carinho pela edição que nos tirou da fila de 24 anos. 
O Catar juntou o pior da manipulação orquestrada pela grana que a FIFA tanto preza com absoluta incapacidade de receber um evento multicultural, em um clima de deserto, sem tradição futebolística, com gramados dignos de terceira divisão e todo o fundamentalismo que colocou brasileiros na parede, à beira do paredón, por:
Desfraldar uma bandeira de Pernambuco, que nem exibe um arco-íris;
Chutar uma bola em que um dos gomos tinha uma bandeira da Arábia Saudita e, por conseguinte, um trecho do livro sagrado do Islã.
Pois o Catar foi brindado, em um pasto, com um jogo eletrizante, que, apesar dos 75 minutos iniciais modorrentos, em que a Argentina, jogando melhor, construiu uma vantagem segura e seguia calmamente para erguer o troféu, passou, a partir da faísca lançada por Mbappé e dos reservas lançados por Didier Deschamps, a ver uma busca francesa frenética pelo empate, o que aconteceu. Tivemos, então, 45 minutos de tensão e êxtase. O Catar não merecia um desfecho assim. A Itália de 90, sim. O Brasil de 14, também. Mas o futebol não é maniqueísta. Times de ditadores podem ganhar (quase sempre ganham), mas há a janela para o sonho, o lúdico, que permite ao Davi sonhar, também. E o Qatar, por um triz, não assistiu ao gol que seria o desfecho triunfal, com que cada sheik sonharia, e pagaria poços e mais poços de petróleo para ter. A última jogada francesa teve Mbappé driblando argentinos e mais argentinos em sequência, para configurar um 4x3 histórico, impensável e cinematográfico.
Mas o futebol não é maniqueísta. Vieram os pênaltis. Onde o erro é celebrado. Mais até do que o acerto.
A Argentina, finalmente, venceu.
Em vez da alviceleste, Messi virou o Darth Vader coberto pelo manto da ditadura catari (que lançou a carta fácil do racismo para contestar as críticas, pois agora é muito fácil exalar virtude a partir das palavras certas).
Mas Emiliano Martinez, o goleiro, louco, pois lá onde eles jogam (ainda mais no Catar, com um tapete quadrado de grama colocado às pressas para encobrir o terrão que havia virado o gramado que o melhor dinheiro não compra, mas a competência, sim) nem grama cresce, já diria o velho cronista de futebol, colocou tudo nos seus devidos lugares. Ao fazer o gesto obsceno ao lado do sheik, involuntariamente despiu todas as fantasias de poder, luxo e riqueza como se estivesse em uma villa suburbana de Buenos Aires. Esta é a imagem da Copa adquirida (veja a resenha de Esquemas da FIFA e assista à série disponível na Netflix) a peso de ouro e que terminou com um goleiro orgulhosamente chafurdando na lama que manchou as alvas vestes do impotentemente contrariado herdeiro real.

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