Eu nem me entendia por gente quando ouvi aquela voz cristalina cantando que havia nascido daquele jeito, crescido daquele jeito e que era assim que ela era, e que seria assim pra sempre. Vendo Sônia Braga e ouvindo Gal cantar seu tema, a mistura era perfeita: a brasileira, brejeira, sorridente, moleca, feliz com tão pouco. Gal deu a musicalidade, Sônia deu a personificação. E Gabriela deixou de ser de Jorge Amado para ganhar duas autoras, uma baiana e outra paranaense. Quer melhor síntese do Brasil?

Quando a rádio me pegou de jeito, tudo o que Gal gravava estava lá. Ela podia interpretar a versão de Lately, de Stevie Wonder, e destroçar corações em descompasso. Incendiar a pista com Festa do Interior,  fazer um dueto com Caetano que viraria um amuleto para amores duradouros, esfregar o país corrupto na nossa cara, na poesia rascante de Cazuza. E tudo parecia ser natural. Naturalmente Gal.

Mas quando Um Dia de Domingo começou a tocar insistente e onipresentemente em rádios e tvs, me insurgi, já era demais. Mas nada era demais para Gal. Nem eclipsar o gigante Tim Maia, que teve de usar toda a sua malandragem tijucana para não ficar por baixo da diva. Fizeram um duelo, um dueto, até para gravar o videoclipe. Tim sabia com quem estava se metendo. 

Era uma gigante. Desde que impressionou João Gilberto, e não passava de uma Gracinha, naquela época. Que continuou sendo. Moderna, com cabelos curtos, nos sixties. Voluptuosa, com os cachos abundantes, nos eighties.

Anos depois, domingo à noite, era eu no plantão de atendimento do BankBoston. E era Gal. Ou melhor, Maria da Graça Costa Penna Burgos, nome aristocrático que ela repetiu no meu incrédulo headset para poder ter acesso à conta de sua empresa, e André (meu nome de atendimento), que queria se concentrar no timbre único que eternizou Dom de Iludir, Baby, Sua Estupidez, Meu Bem, Meu Mal e tinha que checar saldo, cheques, transferências. Maria da Graça fechou sua conferência, agradeceu, se despediu, Gal e Roberto nunca mais se falaram, mas guardei a experiência na ânsia de contar a ela, quem sabe em uma entrevista, e, com sorte, ouvir uma risada gostosa a partir de uma revelação tão inusitada. Até que hoje, aturdido, dei a notícia mais inesperada da minha bebê, a BRio. O melhor do Brasil estará onde ecoar a voz límpida e precisa de Gal.

Deixe seu Comentário